terça-feira, 13 de outubro de 2009

Tudo Relativo


TUDO RELATIVO

Quando o Espírito comunicante, cheio de boa-vontade, se referiu ao domicilio na vida extrafísica, Rafael, um irmão que se caracterizava pelos primores da inteligência, objetou, mordaz:
- Casas no Além? Que contra-senso!...
O mensageiro, não obstante desapontado, registrou impressões da vida social no “outro mundo”. Então, o mesmo cavalheiro ironizou sem pestanejar:
- Ora esta! Sociólogos além-túmulo? Era o que nos faltava.
O emissário não desanimou. Aludiu aos jardins que lhe cercavam a residência.
- Que é isso? – Indagou o investigador que apreciava os sarcasmos sem fim – serão os jardins suspensos de Semíramis? Qual! Tudo mera ilusão!... Depois de nossas roseiras espinhosas e de nossos adubos desagradáveis, não há canteiros de fluidos.
A entidade perseverante reportou-se aos institutos de ensino que freqüentava. No entanto, o mau obreiro deu-se pressa em considerar:
- Se os “mortos” estiverem sujeitos à luta estudantil, estamos francamente perdidos.
O comunicante não desistiu. Passou a dizer da expectativa sublime que alimentava, aguardando a esposa querida, além do sepulcro. O companheiro irreverente, entretanto, fez-se ouvir na mesma inflexão de zombaria:
- Deliciosa mentira! Onde já se viu casamento na esfera das almas?
O portador da mensagem na desfaleceu. Comentou os problemas do corpo sutil que lhe servia, agora, à consciência. Enumerou as facilidades e os obstáculos que o defrontavam, mas o fraternal inquisidor observou, céptico:
- Espírito não tem corpo. Simples fantasia. Presenciamos fenômenos de puras impressões alucinatórias.
O prestimoso estafeta das boas novas, que vinha do reino espiritual, despediu-se finalmente.
Ante os colegas curiosos e inquietos, o renitente analista esclarecia enfaticamente:
- Mais objetividade! Nada de ilusões! Sou um homem que sabe julgar.
Após o incidente, afastou-se do grupo de trabalhadores do bem. Afirmava-se demasiadamente realista para aceitar, sem maior exame, as descrições dos desencarnados. Situava a concepção doutrinaria num campo de absoluta transcendência.
Devotados amigos, bastas vezes, rogavam-lhe a volta aos estudos. Parentes interpunham recursos afetivos, a fim de que retomasse o salutar esforço da crença religiosa. Todavia, foi Rafael impermeável a todas as ponderações. Ouvia os apelos, esboçava gesto brejeiro e arremedava um texto evangélico:
- Dêem à matéria o que é da matéria e ao espírito o que é do espírito. Fora disso, não compreendo a atitude de vocês.
E rematava, orgulhoso de si:
- Não se esqueçam de que sou um homem que sabe julgar.
Veio, porém, o minuto em que foi arrebatado da vida carnal. Desalentado, aflito, estabelecia a própria identidade. Afinal – monologava para dentro – a mudança não fora tão grande. Mentalmente, sentia-se o mesmo homem. E, no intimo, não conseguia eliminar o desejo louco de regressar aos negócios, atividades e afetos que o imantavam ao campo humano. Não se lembrava de haver praticado o mal com o propósito deliberado de ferir alguém. Não cometera crime algum. No fundo d’alma, contudo, mantinha certa inquietude. Concluía que prejudicara a si mesmo. Não se dera à observação da verdade, tanto quanto devia. Não seria razoável o retorno à zona terrestre, para intensificar indagações? Quem sabe? Talvez pudesse prover-se de melhores recursos, em beneficio da paz interna.
A aproximação de iluminado mensageiro espiritual sustou-lhe a marcha dos pensamentos. Contemplou-o, esperançoso, e pediu, com respeito:
- Benfeitor divino, acudi-me!... Dizei-me onde está a minha propriedade terrestre?
O interpelado respondeu com benevolência:
- Propriedade sua? Que enorme equivoco!...
- E meu corpo físico? – interrogou Rafael, choroso.
- Seu corpo de carne, agora, meu amigo, é simples fantasia.
- Meus bens?
O emissário sorriu e ajuntou:
- Se seu tesouro não esta guardado no espírito imperecível, suas vantagens de outro tempo não passavam de ilusão...
- Minhas apólices, meus títulos? Registravam-me o nome!...
- Para impressão de alguns anos – esclareceu o preposto da realidade divina.
- Meus filhos?
- Eram de Deus, primeiramente, antes de serem encaminhados à sua paternidade provisória.
- Minha mulher? Onde está ela? Sempre me obedeceu cegamente. Dar-se-á o caso de haver-me abandonado também?!...
- Sua companheira associava-se com renuncia e bondade ao seu destino, mas nunca foi escrava de seus caprichos. Conserva um titulo de filiação celeste, tanto quanto você mesmo.
- Meu gabinete na cidade, meu sítio no campo, meus documentos, meus interesses...
- Sim, tudo para você, presentemente, é serviço feito, resíduo do passado, que persiste em deter na mente enfermiça, ates de verificar o proveito das lições que viveu no mundo...
- Oh! Que horror! – gritou Rafael, apavorado – como entender tudo isso? Quem estará sob o domínio de simples impressões? Os que partem da Terra ou os que por lá se demoram? Os que “morrem” ou os que “vivem”?
O benfeitor sorriu, de novo, e concluiu:
- Consulte a própria consciência. Como sempre, você é um homem que sabe julgar...

Irmão X no livro “Luz Acima”, psicografado por Francisco Cândido Xavier